Jornada Mundial da Juventude

Exclusivo Online

À espera do Papa em Fátima: "Num sítio tão santo, como podemos não dormir?"

Muitos fiéis passaram a noite no santuário de Fátima para guardar um lugar junto aos gradeamentos. Chegaram cedo - alguns mais de 24 horas antes - e instalaram-se com colchões e marmitas. O objetivo é só um: ver o Papa Francisco de perto.

À espera do Papa em Fátima: "Num sítio tão santo, como podemos não dormir?"
Filipa Traqueia

A calma e a tranquilidade que caracterizam as noites no santuário de Fátima foram substituídas por uma azáfama de fiéis. Depois da procissão das velas, muitos optam por ficar no recinto. Os colchões insufláveis e de campismo vão tapando o asfalto preto do recinto. Há quem durma, há quem jogue às cartas, há quem observe as estrelas e quem pegue num livro para que o tempo passe mais depressa.

O Sumo Pontífice estará, este sábado, em Fátima durante cerca de duas horas, mas há quem espere mais de 24 horas só para o ver. Otília Leite, de 68 anos, é um exemplo disso: está a marcar lugar desde as 09:00 de sexta-feira.

“Faço sempre isto no 13 de maio. E também estive cá quando o Papa veio a Fátima, da última vez”, conta, abrigando-se do sol com um chapéu de chuva.

Filipa Traqueia

Otília veio preparada para a espera. Trouxe bacalhau à brás para o almoço e para o jantar - sem ovos, para não se estragar -, trouxe também água, fruta e um termo com chá quentinho. Enquanto o tempo passa, vai conversando com as “vizinhas” e vendo a “alegria” dos jovens da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que visitam o recinto.

Também Inês Costa, 41 anos, e Rosário Maia, 43 anos, vão falando com outras pessoas para se entreterem, enquanto as horas passam. Receavam que o santuário enchesse e que não conseguissem ver o Papa, por isso, chegaram às 12:30 de sexta-feira.

“A ideia é ver o Papa e rezar com ele. Deixar Lisboa para os jovens, é mais confusão”, partilham.

Trouxeram o kit completo para uma noite no santuário: saco de cama, colchonete, água, lanche, jantar, livros, protetor solar e uma roupa mais quente para “tentar não morrer geladas”. Trazem também uns banquinhos, para se sentarem, e os terços, para acompanharem a cerimónia.

Filipa Traqueia

Durante o dia há apenas algumas dezenas de pessoas a guardar lugar junto aos gradeamentos. A maior parte dos peregrinos no recinto são jovens, que cantam e dançam ao som das músicas religiosas. Mas, à medida que a noite avança, o número passa para as centenas e chega rapidamente aos milhares.

Pela meia-noite, as autoridades começaram a revistar os fiéis nos portões do recinto e a entrada será controlada durante o dia de sábado. O santuário de Fátima tem lotação para cerca de 270 mil peregrinos, mas são esperadas mais de 500 mil pessoas. As autoridades já avisaram que quando a lotação for atingida vão fechar as portas. Para quem não conseguir entrar, há ecrãs onde será transmitida a cerimónia.

Ver o Papa de perto é um sonho para todas as idades

O desejo de ver o Papa de perto é comum a todos os peregrinos que passam a noite no santuário de Fátima. Há quem venha de Braga e quem viva muito mais perto, em Tomar. A grande maioria dos fiéis é de nacionalidade portuguesa e a média de idades é muito superior à dos jovens que participam na JMJ.

Lurdes Sousa e Rui Antunes, de 78 e 74 anos respetivamente, vieram de Queluz para verem Francisco a passar. Escolheram um sítio ao pé do gradeamento, com vista para a Capelinha das Aparições - onde decorre a celebração. Apesar do que viram na televisão, quando chegaram ainda havia bastante espaço.

“Achávamos que ia estar pior. Na televisão diziam que não cabia um feijão, afinal ainda cabem umas fanecas”, diz Lurdes a rir-se.

Filipa Traqueia

Ao lado do casal está a neta Catarina, de 26 anos. A jovem não quis que os avós fizessem a viagem sozinhos e, por isso, decidiu acompanhá-los. Os três envolvem-se em mantas para combater o frio da noite, que já começa a sentir-se.

Entre os peregrinos, há também crianças: Simão Vieira tem 10 anos e foi ele quem “chateou” os pais para fazer a viagem de Braga até Fátima.

“Eu chateei-os para vir porque queria ver o Papa. Queria dizer-lhe que gosto muito dele”, conta a criança.

Filipa Traqueia

Apesar de terem chegado às 22:00 de sexta-feira, já não conseguiram um lugar ao pé das grades. Mas isso não desmotiva o pequeno Simão do seu objetivo: entregar um ramo de flores ao Sumo Pontífice.

Mantas e tendas para combater o frio

As conversas dos peregrinos que ainda estão acordados vão-se misturando e ouve-se música ao fundo. O cheiro a comida emana no ar e há também um leve aroma a cera derretida. Entre os que não pretendem guardar lugar, há quem aproveite a calma da noite para colocar uma vela a arder e quem não dispense tirar uma foto com o santuário iluminado como plano de fundo - sem esquecer a bandeira de Portugal.

O movimento que vai acontecendo no santuário contrasta com as imagens de quem já dorme no chão. Pedro Carvalho e Leonor Milene, de 37 e 19 anos, já se enrolam no saco de cama preparando-se para fechar os olhos - mesmo sabendo que será difícil adormecer. O chão é rijo e começam a sentir falta do colchão de casa, mas nada disso é importante quando se tem “uma vista privilegiada sobre a passagem do Papa Francisco”.

Filipa Traqueia

Mesmo ao lado, Isabel Vieira, de 42 anos, prepara-se para fechar a tenda que trouxe para se proteger do frio e de qualquer possibilidade de chuva. Enquanto o marido já dorme, Isabel conta que quer “ver o Papa” porque a “presença dele transmite paz”.

Fiéis vão chegando pela noite dentro

À medida que o tempo vai passando, cada vez mais fiéis vão chegando. A fila de pessoas que acompanha o gradeamentos vai aumentando sucessivamente. Trazem cadeiras e comida para a manhã. Trazem o desejo de ver o Papa de perto e, mesmo sabendo que não lhe podem tocar, querem, no mínino, acenar-lhe.

Quatro primos chegam ao pé de um grupo de peregrinos e perguntam se o lugar está ocupado. Querem colocar as cadeiras e preparar-se para uma noite de espera. Patrícia Bacalhau, de 29 anos, admite que não tinham noção que o recinto ia estar tão cheio.

“Trouxemos mantas para nos deitarmos no chão. Mas se não der, jogamos às cartas”, afirma. “Ou fazemos umas orações”, acrescenta Ana Margarida Narciso, de 29 anos.

Filipa Traqueia

Confessam-se ansiosos por ver o Papa "ao vivo e a cores”. Beatriz Godinho, de 22 anos, é voluntária na JMJ e tentou ver o Sumo Pontífice em Lisboa, mas não conseguiu: “Era só um pontinho lá ao longe. Estou muito ansiosa para o ver de perto e ainda por cima num sítio tão especial.”

Para Emília Soares, de 70 anos, esta é a primeira vez que vai ver o Papa ao vivo. Tem acompanhado as JMJ pela televisão, mas decidiu vir de Oliveira de Azeméis com o marido, o filho e uma amiga para participar nesta cerimónia. Admite que foi o marido quem a convenceu a passar a noite no santuário.

“Já tinha vindo cá muitas vezes, mas este ano é diferente. O meu marido viu o Papa Bento XVI no Porto, mas eu não fui porque tinha os meus netos pequenos. Agora que estamos reformados, tínhamos tempo para vir e viemos”, conta

Filipa Traqueia

Sentada em cima de uma manta, Emília prepara-se para “descansar o esqueleto” e o chão duro não a assusta: “Num sítio tão santo, como podemos não dormir?

Ao contrário do recinto, a Capelinha das Aparições está vazia. É neste espaço que o Papa irá recitar o terço, juntamente com jovens doentes e reclusos. A cerimónia decorre este sábado pelas 09:30.

Filipa Traqueia