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O lado obscuro do Discord: que plataforma é esta e porque é cada vez mais mencionada em crimes?

Criada como uma aplicação para gamers, conquistou uma dimensão global e tornou-se muito popular entre os jovens. Em alguns casos, todavia, a privacidade das conversas transforma-se num risco real e o Discord tem servido cada vez mais para fomentar discursos de ódio, radicalização e até o planeamento de crimes.

O lado obscuro do Discord: que plataforma é esta e porque é cada vez mais mencionada em crimes?
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Nasceu em 2015 como uma aplicação para gamers, mas rapidamente se tornou numa das plataformas de comunicação mais populares entre jovens em todo o mundo. O Discord permite criar servidores privados, trocar mensagens de texto ou áudio, partilhar vídeos, jogar em conjunto ou simplesmente conversar. É um espaço onde cabem tanto comunidades gigantescas como pequenos grupos de amigos.

Uma maleabilidade que tem um lado menos inocente: o mesmo ambiente fechado e de acesso restrito que protege a privacidade dos utilizadores pode também servir de terreno fértil para radicalização, discursos de ódio e até preparação de crimes. Porque tem, afinal, o nome desta aplicação surgido cada vez mais associado a investigações policiais?

Discord, um fenómeno global

A popularidade do Discord - tem mais de 200 milhões de utilizadores ativos em todo o mundo - é maior entre adolescentes e jovens adultos (a idade mínima dos utilizadores é de 13 anos, apesar da inexistência de métodos de verificação), que ali procuram, por vezes, um espaço de pertença, longe dos olhares de pais, professores ou colegas. Para quem se sente isolado, pode ser uma porta de entrada para comunidades que oferecem acolhimento, mas que, em alguns casos, acabam por normalizar discursos de ódio ou violência.

A estrutura fechada dos servidores é também um fator a ter em conta. Ao contrário de redes sociais como o Instagram ou o X, grande parte do que acontece no Discord não é público, o que torna não só a moderação mais difícil, como cria um “efeito bolha” onde ideias extremistas circulam e reforçam-se sem contraditório. Tudo isto acontece numa época em que continua a proliferar a circulação de conteúdos violentos na internet, que, em certos casos, evoluem para uma normalização de ideologias extremistas ou até para o planeamento de ataques reais.

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Além disso, é também frequente a existência de utilizadores que 'invadem' grupos de conversação, onde publicam conteúdos abusivos, ofensivos, de violência sexual ou de incitamento ao ódio.

Assassinato de Charlie Kirk reacende os alertas

O nome da aplicação voltou esta segunda-feira a surgir associado a um crime fatal, no caso o da morte do conservador e aliado de Donald Trump, Charlie Kirk. Isto depois de o suspeito do assassinato de Kirk, Tyler Robinson, ter alegadamente confessado a autoria do crime numa conversa no Discord.

"Tenho más notícias para todos. Fui eu na UVU [Universidade do Vale de Utah] ontem. Desculpem por tudo isto. (...) Obrigado por todos os bons momentos e risadas, foram incríveis. Obrigado a todos por tudo", escreveu Tyler num grupo privado na plataforma, que terá fornecido uma cópia das mensagens às autoridades americanas.

Tyler Robinson

Segundo o New York Times, no dia do homicídio e após a divulgação das imagens do suspeito pelo FBI, Tyler Robinson disse aos amigos no Discord, em tom de brincadeira, que teria sido um "sósia" seu a matar Charlie Kirk e que estava a tentar incriminá-lo.

Quando o problema bateu à porta em Portugal

O exemplo mais conhecido é o do aluno da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, detido em 2022. João Carreira tinha 18 anos, estudava Engenharia Informática e foi apanhado pela Polícia Judiciária com um arsenal improvável no quarto: catanas, uma besta com flechas, facas e até material inflamável.

No computador, os investigadores encontraram um plano detalhado para atacar colegas na faculdade. João acabaria por ser absolvido do crime de terrorismo e condenado apenas por posse de arma proibida a uma pena de dois anos e nove meses de prisão em internamento psiquiátrico, num processo marcado também pelo diagnóstico de Síndrome de Asperger.

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Mais recentemente, em 2024, a Polícia Judiciária deteve na Maia um jovem de 17 anos suspeito de gerir um grupo extremista no Discord. Segundo a acusação, a que o jornal Público teve acesso, "Mikas" - assim era conhecido - liderava na aplicação um grupo intitulado TheKiss”, que operava também no TikTok e no Telegram. O objetivo era transmitir conteúdos violentos para angariar o maior número de seguidores. 

Entre esses seguidores estava um jovem brasileiro que, em 2023, se dirigiu à escola que frequentava em São Paulo e disparou contra quatro estudantes, tendo provocado a morte de uma rapariga com um tiro na nuca.

O jovem português, que se encontra em prisão preventiva, não evidenciou qualquer doença psiquiátrica, apenas a ambição de ganhar popularidade. 

O que tem feito o Discord para combater estes fenómenos?

Nos últimos anos, a rede social tem procurado mostrar que não é indiferente ao problema do extremismo, ao criar uma equipa responsável por monitorizar denúncias, investigar comportamentos suspeitos e aplicar medidas como suspensões de contas ou encerramento de servidores. Desde 2017, altura em que a plataforma foi usada para organizar uma marcha neonazi em Charlottesville, já foram banidas milhares de comunidades extremistas.

Para além das denúncias dos utilizadores, o Discord começou também a atuar de forma mais proativa, recorrendo a ferramentas automáticas e investigações internas para identificar grupos que promovem ódio ou violência. Em paralelo, colabora com autoridades policiais de vários países, fornecendo informações sempre que existe ordem judicial ou suspeita de que um crime possa estar a ser preparado.

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A empresa publica ainda relatórios de transparência, onde divulga números de suspensões e remoções, e oferece ferramentas de moderação a administradores de servidores, como filtros de palavras e sistemas de denúncia.

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