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Lacerda Sales é o primeiro a ser ouvido na comissão de inquérito ao caso das gémeas

A audição do antigo secretário de Estado, na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas, acontece esta tarde. O ex-governante já foi alvo de buscas domiciliárias por parte da Polícia Judiciária, no âmbito deste processo.

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Lacerda Sales é ouvido, esta tarde, no Parlamento sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que receberam tratamento no Hospital Santa Maria, em Lisboa. O ex-secretário de Estado da Saúde é o primeiro a ser ouvido na comissão de inquérito e, depois de uma intervenção inicial, recusou-se a responder às questões dos deputados, invocando "segredo de justiça" e o estatuto de arguido.

Lacerda Sales tinha audição marcada para dia 6, mas alegou motivos profissionais para faltar e adiar as respostas aos deputados.

Na declaração inicial feita nesta audição, António Lacerda Sales, começou por rejeitar ter pedido o adiamento após ter sido constituído arguido. Sublinhou que o pediu antes.

Na intervenção que fez no Parlamento, o ex-secretário de Estado deixou duras críticas ao relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que conclui que houve irregularidades no acesso das duas crianças ao tratamento no Serviço Nacional de Saúde.

“O relatório da IGAS mais parece uma tentativa de responder à pressão mediática”, acusou, sublinhando que não pode aceitar as conclusões do mesmo sobre a sua conduta, que acredita não ser "suscetível" de qualquer censura, preferindo falar em "pontas soltas" no processo.

"Não estou disponível para servir de bode expiatório num processo político e mediático a qualquer custo", declarou.

António Lacerda Sales questionou ainda "qual seria o sentimento" e a "perceção coletiva" se o Estado, através do SNS, tivesse negado, omitido ou protelado o tratamento das crianças com uma doença possivelmente mortal. "Estaríamos aqui a apurar responsabilidades", afirmou, frisando, contudo, que o acesso ao medicamento "é da responsabilidade do hospital"

O antigo governante alega também que, no caso investigado, todas as regras clínicas "foram respeitadas". "Ninguém passou à frente de ninguém. Não havia lista de espera", sustenta.

A audição prosseguiu com os deputados a colocarem questões ao ex-secretário de Estado, com Lacerda Sales a "exercer o direito ao silêncio" em relação a todas aquelas que o envolvem.

"Invoco o meu direito ao silêncio, para não me autoincriminar", repetiu, por diversas vezes.

Por entre algumas perguntas a que Lacerda Sales concedeu responder, este adiantou que nunca falou nem com o então primeiro-ministro, António Costa, nem com a então ministra da Saúde, Marta Temido, sobre o caso em questão. Igualmente, adianta Lacerda Sales, nunca o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, falou com ele sobre o assunto.

"Nunca chegou nenhum e-mail nem nenhum processo formalizado ao meu gabinete", respondeu também Lacerda Sales a André Ventura, pedindo-lhe que o olhasse "bem nos olhos". O deputado do Chega perguntou, então, se tinha chegado um pedido informal, mas o ex-secretário de Estado recusou-se a responder.

Perante a referência bíblica invocada por André Ventura - "a verdade libertá-lo-á", Lacerda Sales respondeu com uma referência a Fernando Pessoa. "Sigo o meu destino. Rego as minhas rosas e o resto serão as sombras das árvores", declarou.

Questionado sobre se era costume receber pessoas que pretendiam intervenção governativa em questões de Saúde, Lacerda Sales desvaloriza. "Recebia toda a gente que me pedia para ser recebida", respondeu.

O ex-secretário de Estado assegura, contudo, que, recebendo contactos informais, pedia a quem o procurasse que formalizassem os pedidos em causa.

"Não vim com nenhuma estratégia elaborada. Vim falar a verdade aos portugueses", declarou, rejeitando estar a ser "seletivo" nas perguntas a que escolhe responder e a "alimentar teorias" para incriminar outros. "Estou a cumprir a lei."

Lacerda Sales reafirmou que, sem documentação, não podia lembrar-se do que aconteceu há quatro anos, justificando assim a reação que teve, inicialmente, quando foi confrontado com o caso - e quando referiu não ter memória do mesmo.

De qualquer modo, o antigo governante diz já ter assumido "responsabilidade política", deixando às instâncias judiciais o apuramento da "responsabilidade técnica" e "factual".

Em relação ao louvor atribuído à secretária, admite que "se soubesse desta matéria, não voltava a proferir o despacho". "É mais uma prova de que não conhecia a situação", disse.

Arguido em processo por suspeitas de abuso de poder

O ex-secretário de Estado da Saúde é um dos arguidos na investigação do Ministério Público.

Estão a ser investigados crimes de prevaricação, abuso de poder, tráfico de influência e burla qualificada.

O tratamento no Serviço Nacional de Saúde para a atrofia muscular espinal das gémeas custou 4 milhões de euros.

Num vídeo divulgado pela TVI, a mãe das gémeas chegou a referir que conseguiu que fossem tratadas através de uma cunha, por conhecer a nora do Presidente da República.

Os pais das gémeas vivem no Brasil, mas disseram que estão disponíveis para ir presencialmente à Assembleia da República.

Foram também aprovados os pedidos de depoimento de Marcelo Rebelo de Sousa e do filho, Nuno Rebelo de Sousa, sendo que o presidente da República pode optar por responder por escrito.