Gostaste mais deste processo de construir uma série ou do que já estás mais habituada a fazer [stand-up comedy]?
É muito diferente. Stand-up eu adoro. Fazer stand-up não é confortável, mas é o que me traz mais conforto na vida. Nada na vida me diverte tanto como estar a fazer aquilo. É super libertador. Toda a gente quer pertencer a alguma cena. Eu sinto que em stand-up as pessoas fazem-me pertencer. As pessoas estão ali comigo e fazem-me sentir OK. Às vezes corre mal, mas quando isso acontece só quero voltar para casa para ver o que é que correu mal. Eu gravo todas as minhas atuações, ainda hoje.
Fazes sempre esse trabalho assim que chegas a casa?
Faço, a não ser que tenha corrido mesmo muito mal, ou mesmo muito bem. Adoro mesmo pensar em “stand-up” e em coisas que podem resultar no palco. Às vezes basta trocares uma palavra: tenho uma piada que não batia nunca e mudei a rapidez com que a faço, dizia lento e agora digo rápido.
Lidas bem quando não corre bem?
Não lido muito bem. É como perder um jogo, é como jogar à bola. Estive a treinar, cheguei lá, perdi o jogo. Tenho de treinar mais. Irrita-me um bocado, como se fosse culpa de alguém que não minha. Mas a malta diz: “É normal, é noite de teste”. Eu percebo, mas quero ser sempre boa. Quero ser sempre a melhor, não me interessa se é texto novo ou texto antigo. Quero que as pessoas se riam sempre. Então se corre mal fico chateada e tenho como objetivo fazer novamente o mais depressa possível. Porque parece que ganho medo. Então se me corre mal na quinta-feira, gosto de na sexta-feira fazer outra vez para ver o que consigo melhorar.
O “Nanette”, da Hannah Gadsby, foi um espetáculo que marcou-te imenso. Na altura houve alguma discussão sobre se era mesmo “stand-up” e não necessariamente se era um bom espetáculo e acho que se perdeu um bocado nessa discussão. Também concordas?
Quando surgiu nem sabia bem o que era “stand-up” ou não. Nem percebia bem essa discussão. O que sei é que vi aquilo, ia fazer “stand-up” em breve, e adiei durante bastante tempo. Porque quando vi aquilo pensei: “Eu não tenho nada para dizer.” Não há nada que possa dizer, porque tudo o que possa fazer vai ficar aquém. Como é óbvio, olha a moral. Só que aquilo não mudou a forma como eu vim a fazer “stand-up”. Aquilo atrasou o eu começar a fazer “stand-up”, porque depois disso demorei imenso tempo a perceber que não tens de ter uma moral para fazer “stand-up”. Porque quando vi aquilo, como tinha tão pouco conhecimento em relação à comédia, pensei que se não tinha uma mensagem para passar não podia fazer isto. Mas tu podes fazer comédia sem estar a passar uma mensagem. Só a fazer as pessoas rir. Não tenho nenhuma opinião sobre se o que ela fez é “stand-up” ou não. Eu ri-me, e de repente levei um estalo, e senti-me séria a olhar para a televisão. Aquilo mexeu comigo, não te sei explicar. Não sei se é uma questão de identificação.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios: