As Histórias

“Não tenho mama, mas sou feliz”

No âmbito do Dia Mundial do Cancro - que se assinala hoje, dia 4 de fevereiro - a sobrevivente oncológica Ana Cristina Videira partilha o seu testemunho sobre o que sentiu quando foi diagnosticada e o impacto da doença na sua vida

Ana Cristina Videira fotografada para a campanha realizada em outubro de 2021 para o AXN White Portugal

Inês Costa Monteiro

No dia 14 de setembro de 2015, dois dias depois de completar 50 anos, Ana Cristina Videira recebeu o pior dos presentes: foi diagnosticada com dois cancros na mesma mama. Dentro do consultório, pensou: “Neste momento, se tivesse um ‘buraquinho’ na sala, escondia-me”. Foram-lhe dadas, “de enfiada”, todas as informações sobre os procedimentos que iria ter que fazer a partir daquele momento e mentalizou-se, de imediato, que tinha que começar o seu processo de cura.

O embate da notícia: “Vou morrer”

As primeiras indicações que lhe foram dadas pelo oncologista do Hospital Garcia de Horta foram difíceis de digerir. Ana Cristina soube, desde o primeiro momento, que iria fazer uma mastectomia para erradicar a mama esquerda, sem a possibilidade de reconstrução devido ao estado avançado dos tumores. Além disse, teria que fazer 6 a 8 sessões de quimioterapia, o que implicaria que lhe caísse o cabelo e que surgissem possíveis dores e enjoos. “Fiquei de rastos. O meu pensamento foi ‘vou morrer’ ”.

Ana Cristina Videira teria ainda outro momento não menos difícil pela frente, o de contar aos filhos, de 16 e 24 anos. “Pedi-lhes desculpa do que me estava a acontecer”. Com a ajuda do ex-marido, enfermeiro de profissão, foi explicado aos filhos que o problema era grave e que o pior poderia acontecer.

Dos tratamentos à queda de cabelo e outras sequelas


Pouco mais de um mês após o diagnóstico, foi para o bloco de operações onde realizou uma mastectomia radical da mama esquerda e um esvaziamento axiliar, cirurgia que a deixou com uma costura e dois drenos. Em dezembro colocou um cateter e, pouco dias depois, iniciou a quimioterapia. “Vieram os enjoos, as dores intensas no braço e no peito, as aftas, as náuseas…”. Durante os seis meses que se seguiram precisou de fazer dois internamentos - de 8 e 10 dias - com antibióticos e transfusões de sangue.


O cabelo começou a cair logo após a primeira sessão de quimioterapia e optou por rapá-lo. Além de ter que lidar com o cancro, viu a sua autoimagem alterada, o que fez com que não se sentisse a mesma pessoa durante dois anos. “Custou-me muito mais o facto de não ter cabelo do que não ter uma mama. No dia a dia, nunca consegui andar careca, tive sempre uma peruca para me proteger dos olhares das pessoas”, explica. Passado um ano o seu cabelo voltou a crescer, mas não como antes. Desta vez, cresceu encaracolado, e devido à dificuldade em olhar-se ao espelho e identificar-se como a pessoa que sempre foi, recorreu a consultas de psicologia para se sentir mais apoiada. O seu “eu”, como lhe chama Ana Cristina, ficou afetado durante o percuso. “O meu eu não era careca, não usava peruca nem lenço e muito menos tinha caracóis”. Confessa que só se voltou a sentir como era quando o seu cabelo cresceu o suficiente e conseguiu fazer um alisamento.

“No início de 2016 comecei com as consultas na Unidade da Dor e Psicóloga da Dor”, sendo que a dor alterou o seu estado físico e psicológico, pois após a cirurgia esta foi-se tornando cada vez mais intensa, estendendo-se por todo o corpo. Após vários exames foi-lhe diagnosticada uma dor neuropática aguda.

Desistir da reconstrução mamária

Ao invés do que estava inicialmente previsto, em 2017, Ana Cristina Videira foi chamada para reconstrução mamária. Não obstante, após a primeira cirurgia na qual lhe foi colocado o expansor, as dores aumentaram de forma significativa. “Sofri muito, com dor intensa, o que fez com que a medicação para tratar a dor fosse aumentando gradualmente”. Devido às dores intensas - e mesmo que o médico lhe tenha dito para não desistir de concluir a reconstrução - Ana Cristina decidiu renunciar. “Mesmo não concordando, o cirurgião aceitou a minha decisão e rumou ao pedido de nova cirurgia para retirar o expansor mamário”. Para a sobrevivente oncológica esta foi “a melhor opção”, visto que - passado mais ou menos um ano - começou a reduzir a medicação e a sensação de bem-estar aumentou.

Hoje, com 57 anos, Ana Cristina Videira está curada e continua a ser seguida nas consultas de oncologia. Mesmo que ainda sinta alguma dor, já não precisa de ser medicada.

“Não tenho mama, mas sou feliz. Não posso usar o decote que tanto gostava ou o biquíni que preferia, mas estou viva!”, conclui.


As Histórias

Mais