Até dia 12, vamos perceber um pouco melhor se, em Glasgow, os líderes mundiais estão dispostos a dar sinais claros, junto dos seus próprios eleitorados, de estarem à altura deste desafio tremendo.
Os Rádio Macau cantavam pelos anos 80 do século passado, numa altura em que a emergência climática era uma ideia ainda muito difusa, que “amanhã é sempre longe demais”. A COP26 deverá mostrar-nos que, em 2021, ontem já o teria sido.
1. O GIGANTESCO PROBLEMA DA PERCEÇÃO
Apetece-me começar por Yuval Harari (“21 lições para o Século 21”): “Uma bomba atómica e uma ameaça tão evidente e imediata que ninguém pode ignorá-la. O aquecimento global é uma ameaça mais vaga e distante. As considerações ambientais de longo prazo exigem algum sacrifício doloroso a curto prazo. Os nacionalistas podem sentir-se tentados a dar prioridade aos interesses nacionais, dizendo para si próprios que poderão pensar no meio-ambiente mais tarde, ou deixar o problema para outras pessoas, noutros países. Outra hipótese é simplesmente negarem o problema. Como não há uma resposta nacional para o problema do aquecimento global, alguns políticos nacionalistas preferem acreditar que o problema não existe”. Nos dias anteriores ao arranque da COP26 fomos inundados por avisos, relatórios, previsões. O grande problema é que não será pela escalada de alertas que boa parte da população e muitos governos mudarão a sua atitude. Estamos em 2021: a verdade objetiva não chega.
2. UM DESTINO: ADAPTAÇÃO
Vamos ter que nos adaptar à ameaça do colapso ecológico. O relatório Nações Unidas IPCC 2021 retirou-nos quaisquer dúvidas que pudéssemos ter: para continuarmos por cá nos próximos séculos, temos que fazer mudanças radicais já – para que as próximas décadas não sejam ainda mais disruptivas. Voltemos a Harari: “A guerra nuclear era uma ameaça real, mas improvável; o colapso ecológico é uma realidade do presente”.
Já teremos passado o ponto de não retorno? Se ainda não o fizemos, estaremos lá perto. Um novo adiamento frustrante não deveria ser uma hipótese aceitável para Glasgow. Mas talvez seja o cenário mais provável neste momento. Ou será que ainda há boas surpresas?
3. EQUILÍBRIO IMPOSSÍVEL?
O boletim científico Nature Sustainability, com o título “Conciliar bem-estar e resiliência para o desenvolvimento sustentável”, deu nota, dias antes da COP26, do equilíbrio tendencialmente impossível que é fundamental encontrar neste tema. Cientistas das universidades de Exeter e de Lancaster alertam para o risco de uma “visão simplista”: “O bem-estar e a resiliência estão fortemente presentes nas metas políticas, especialmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Presumir que as duas coisas vão juntas automaticamente não ajuda. Quando esse erro é cometido, geralmente são as pessoas mais pobres e marginalizadas que sofrem”, afirmou Nathanial Matthews, um dos co-autores e presidente executivo da Global Resilience Partnership.
Depois do tsunami na Ásia de 26 de dezembro 2004, uma nova legislação na Índia e no Sri Lanka impediu que casas e empresas fossem reconstruídas perto da costa, a fim de criar zonas de segurança e aumentar a resiliência contra futuros tsunamis.
“Isso levou a que as pessoas que dependiam do mar por razões económicas, culturais e sociais a mudarem-se para vilas isoladas no interior, prejudicando o bem-estar de diversas maneiras”, referiu Tomas Chaigneau, do Instituto de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Exeter, na Cornualha. Christina Hicks, professora de Lancaster University, resume: “Se quisermos construir resiliência a longo prazo, ao mesmo tempo em que abordamos os desafios ambientais contemporâneos, é vital prestar atenção a uma visão inclusiva do bem-estar humano”. Ou seja: não há soluções fáceis para este desafio existencial.
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