Cristiano Ronaldo saiu porque quis de um dos maiores nomes do futebol mundial para uma liga com pouca visibilidade, onde normalmente chegam jogadores de uma segunda linha em final de carreira.
Uma decisão que poderá levar muitas pessoas a fazer estes comentários, mas porque a vida tem sempre duas faces e na maior parte das vezes só queremos ver uma, vale a pena refletir. Será assim tão despropositada esta decisão de Cristiano Ronaldo?
Quase ao mesmo tempo que o português era apresentado pelo Al Nassr, o “Rei” Pelé era sepultado. Aquele que foi o primeiro e maior exemplo de como um jogador se transformou numa marca e essa marca se tornou maior que o próprio jogador.
Morreu Edson Arantes do Nascimento, mas Pelé nunca vai morrer, isto porque foi o primeiro a conseguir transformar a dimensão que o futebol lhe deu numa marca mundialmente conhecida, poderosa e transversal a qualquer política, religião ou cultura.
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A lenda do futebol que fez parar guerras
A primeira prova disso foi logo nos anos 70, à custa da marca Pelé, João Havelange conseguiu reunir os votos dos países africanos para ganhar as eleições para presidente da FIFA. Numa digressão por África, Pelé fez parar guerras e uniu, por momentos, uma África do Sul em Apartheid.
Durante quase cinco décadas, depois de ter deixado de jogar, Pelé continuava a faturar com contratos de publicidade e tornou-se numa das mais conhecidas figuras no mundo. Agora, mesmo depois da sua morte, a família continuará a receber milhões em direitos de imagem do ex-jogador.
Por cá, aquela que foi a grande figura da nossa história futebolística durante décadas, Eusébio, contemporâneo de Pelé, teve um final triste, Bola de Ouro, melhor marcador do Mundial de 66, campeão europeu, vencedor de 11 campeonatos pelo Benfica… acabou a jogar na segunda divisão, na União de Tomar. Sem que tenha tirado partido de uma carreira brutal que ficou na história do futebol mundial.
Maradona, que se foi arrastando entre as drogas, acabou desportivamente a carreira sem brilho no seu Boca Juniors onde, em três anos, não chegou a marcar uma dúzia de golos. Foi penoso.
Ronaldo quer reencontrar a felicidade
Ronaldo procura sobretudo neste momento reencontrar a felicidade. 2022 foi um ano duro onde, pela primeira vez na sua vida, o ponto mais forte que tem - a força psicológica - foi abaixo. No Mundial, errou em muitas ocasiões onde nunca o vimos errar, não por estar em baixo de forma, porque estava dentro de campo no lugar certo, mas porque a ansiedade de querer fazer bem e de ajudar a Seleção ganhou essa batalha.
É hora de procurar um lugar onde se volte a sentir feliz no campo e adorado por todos, porque o fim de carreira pode ainda estar longe.
Tudo mudou no Qatar
O Médio Oriente é uma das regiões do mundo onde mais se vibra com o futebol sem que haja equipas ou jogadores locais que sejam estrelas. Por isso, a televisão sempre foi o caminho de chegar perto das grandes figuras do futebol, os heróis entram pela televisão e para uma geração, Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi tornaram-se únicos ídolos de um povo que adora o futebol.
A organização do Mundial de Clubes, da Supertaça de Espanha e de Itália e, mais recentemente, o Mundial no Qatar, levaram as estrelas do futebol junto de um povo que passa as noites/madrugadas acordado para não perder um jogo das melhores ligas da Europa. E quando o futebol tem o poder de mudar mentalidades e derrubar barreiras intransponíveis, é algo que mostra a força deste desporto.
No Qatar tudo mudou, os muçulmanos continuaram a ter a sua cultura e regras, mas o país soube abrir-se ao Ocidente e conviver com culturas diferentes, hábitos diferentes, vestes diferentes, religiões diferentes e pensamentos diferentes.
A nova Arábia Saudita
A Arábia Saudita que sempre foi um dos lugares mais conservadores do mundo, com a chegada ao poder do jovem Príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, decidiu começar a mudar as rígidas regras conservadoras no país.
Com um país a depender em exclusivo do petróleo, uma abertura ao turismo fará com que em tempos de crise da indústria petrolífera, consiga autossustentar-se e não passar por momentos difíceis.
Olhando para o vizinho Emiratos Árabes Unidos, a Arábia Saudita vai passo a passo sabendo que tem um poder económico maior que permitirá rapidamente conseguir ser uma referência.
Uma das novidades do Príncipe foi a criação de um Ministério só para o entretenimento. A criação de grandes eventos é a prioridade, desde logo, algo que ia contra os costumes no país, como concertos, onde o convívio entre homens e mulheres era proibido, à organização do Grande Prémio de Fórmula 1, às Supertaças de Espanha e Itália. Até que agora surge Cristiano Ronaldo.
Tal como surgiu Pelé nos Estados Unidos na década de 70. Pelé era mais que um jogador, era uma marca que arrastava milhões e o início do futebol nos Estados Unidos teve o dedo de Pelé, também teve de Eusébio, mas a tal falta de noção em Portugal de transformar a maior referência do nosso futebol numa máquina de marketing como o Brasil soube fazer com Pelé, a história sempre vai relembrar Pelé mais que os outros nomes que por lá passaram.
Atualmente, os Estados Unidos são a maior potência do futebol feminino, no lado masculino tem uma seleção de grande valor e a Liga MLS é cada vez mais uma referência no Mundo. Na história do futebol nos Estados Unidos está lá o nome de Pelé.
A marca CR7
Cristiano Ronaldo sabe que a sua marca, CR7, poderá daqui a muitos anos ser lembrada como o início de tudo no futebol do Médio Oriente. Ele tem um papel determinante, a comprovar o mediatismo que foi criado estes dias em redor da Arábia Saudita, o número de notícias sobre a chegada ao país, a brutalidade de seguidores que o Al Nassr ganhou nas redes sociais, a enorme quantidade de pedidos que a Liga da Arábia recebeu para a transmissão internacional de jogos.
O país vai tirar partido disso, milímetro a milímetro e logo no primeiro dia não foi por acaso que duas mulheres estiveram em grande destaque na apresentação e ainda mais quando no relvado a apresentadora estava sem véu, um sinal que a Arábia quis dar ao Mundo que está a mudar.
Essa imagem tem uma força enorme num país que foi a grande fortaleza muçulmana, mas que hoje até tem uma equipa feminina de futebol. Há ainda um longo caminho para o papel da mulher na sociedade, mas se no final das contas Cristiano Ronaldo e a marca CR7 conseguirem ajudar através do futebol a mudar um dos mais conservadores países no Mundo será o maior recorde da vida do português mais conhecido no mundo. Que Ronaldo seja feliz!
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