Guerra Rússia-Ucrânia

Correspondente SIC

"As crianças têm muito medo de morrer”: como lidar com os traumas de guerra na Ucrânia?

A correspondente da SIC na Ucrânia acompanhou o trabalho de um grupo de voluntários, que tenta ajudar crianças ucranianas, entre os 6 e os 10 anos, a lidarem com os traumas de uma guerra que dura há mais de três anos.

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Quase metade das crianças ucranianas apresenta sinais de ansiedade, depressão ou distúrbios do sono e da alimentação, é o retrato traçado por um estudo da organização Save TheChildren. Com o passar do tempo, o apoio psicológico torna-se ainda mais essencial.

O dia começa com pequenos gestos de afeto à escolha de cada criança. Têm entre os seis e os dez anos e cada um deles tem um peluche, um boneco que se chama Hibuki, uma ferramenta da terapia israelita com o mesmo nome que os psicólogos ucranianos foram buscar para trabalhar os traumas de guerra.

“O trauma da guerra é um trauma que pode afetar até quem apenas foi espectador, por exemplo, se a criança foi testemunha de uma explosão ou de eventos traumáticos durante a ocupação, ou passou por outras experiências marcantes. É o medo constante de que, de repente, volte a haver um estrondo, que algo se repita. Também os traumas relacionados com o facto de a criança ter medo, de não sentir segurança. Com a ajuda deste peluche, nós criamos um lugar seguro para a criança que mesmo durante o alerta de perigo aéreo ou por causa de medos que a criança tem, ela pode ter um lugar seguro com a ajuda do boneco”, explica à SIC LiubovOstrolutska, formadora de especialistas.

As crianças que fazem parte deste grupo são filhos de veteranos, de soldados que morreram ou que estão agora a combater.

"O meu pai está a combater. Sonho com ele muitas vezes. Tenho muitas saudades, preocupo-me muito com ele. Uma vez ele chegou durante a noite. Eu estava deitada ao lado da mamã. Ele entrou no quarto e eu comecei a chorar. Corri para o abraçar. E ainda por cima trouxe pizza”, relata Mila, uma das crianças acompanhadas.

"As crianças têm muito medo de morrer”

Quase metade das crianças ucranianas apresenta sinais de trauma. Um estudo divulgado no ano passado pela organização internacional Save The Children indica que 43% das crianças observadas apresentam sintomas como distúrbios de sono ou de alimentação, manifestações físicas como tiques ou cabelo grisalho, isolamento, ansiedade ou depressão.

“A maioria dos casos é semelhante. Está sempre relacionada com a guerra, com os medos da perda, com o medo da morte. As crianças, em particular, têm muito medo de morrer”, diz Liubov.

E como se explica às crianças o que é a morte?

“De formas diferentes. Para os mais pequeninos, através do Hibuki ou dos brinquedos que mais gostam. Com os mais crescidos, falamos como adultos. E, na verdade, eu explico-lhes que eu também tenho medo. E que isso é normal, dadas as circunstâncias em que vivemos agora. Falamos sobre isso. Mas sublinho sempre, tanto com os mais pequenos como com os adolescentes e adultos, que é preciso viver no aqui e agora. Se queremos ligar a alguém ou dar um abraço, que o façamos agora. Porque, de facto, não sabemos o que nos espera amanhã”, explica a formadora.

As crianças sonham com paz e isso diz muito sobre o que vivem, mas também resmungam por acordar cedo e isso diz tudo sobre o que continuam a ser: crianças.

Iryna Shev e Andrii Iakovliev, a SIC em Barshivka, na Ucrânia.