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Fuga de Rendeiro: "Os ricos e os poderosos raramente são julgados em Portugal"

Paulo Morais comentou a fuga de João Rendeiro à Justiça portuguesa.

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O professor universitário e Presidente do "Frente Cívica", grupo contra a corrupção, Paulo Morais, comentou o caso de João Rendeiro.

"Impunidade é o privilégio que o dinheiro compra"

Esta foi a frase proferida pelo Bloco de Esquerda, com a qual Paulo Morais concorda.

"Aplica-se, mas não se aplica apenas neste caso. Nós sabemos que, em Portugal, os ricos e poderosos raramente são julgados, muito poucas vezes são condenados, e, quando são condenados, as sentenças raramente são aplicadas. Isto é um clássico português. Sempre que os julgados são ricos e poderosos, conseguem manobras dilatórias sucessivas e andam, durante anos, nos tribunais, a arrastar as decisões", diz.

O caso de João Rendeiro não é, para o professor, exceção à regra.

"Foi o que fez João Rendeiro. João Rendeiro foi condenado num caso, que já transitou em julgado, a uma pena de cinco anos e oito meses de prisão. Estamos a falar de assuntos que têm mais de dez anos, as sentenças já têm anos, e, portanto, já houve recursos, sobre recursos, sobre recursos. É claro que João Rendeiro foi um pouco mais além do que aquilo a que estamos habituados neste triste lamaçal em que, infelizmente, vivemos. Além do mais, para além de haver uma sentença transitada em julgada desde antes das férias judiciais, ele, no momento da iminência de ser eventualmente detido, decidiu fugir", acrescenta.

Para o presidente da Frente Cívica, há que abordar a atuação da ordem judicial portuguesa.

"Há, também, que perguntar aos tribunais, nomeadamente ao Conselho Superior da Magistratura, ao Tribunal Constitucional e à arquitetura judicial portuguesa, por que razão a decisão definitiva foi tomada antes das férias judiciais, e o trânsito em julgado passou para depois das férias judiciais quase dois meses depois. É evidente que, com todo este tempo, João Rendeiro e os seus advogados tiveram toda a calma para poder planear a sua fuga", refere Paulo Morais.

Uma questão, não só de Justiça, como política


Paulo Morais considera que o caso de João Rendeiro transcende as fronteiras do campo jurídico, sendo também uma questão política.

"Claro que sim, isto é uma questão de regime. Aliás, o Parlamento entra aqui com este tipo de atitude de aparente indignação no sistema geral que é o sistema de "passa culpas", e deixe-me relembrar que, no final de agosto, eu próprio e o João Paulo Batalha, apresentámos um requerimento junto do Conselho Superior da Magistratura, alertando para o alarme social que trazia esta questão de João Rendeiro que, tendo já sido condenado em todas as instâncias, não tinha sido detido. E, aquilo a que nós assistimos como resposta a essa nossa pretensão foi um sistema de "passa culpas": o Conselho Superior da Magistratura passou a culpa ao Tribunal Constitucional, o Tribunal Constitucional, na resposta que nos enviou, disse que o assunto ainda estava em tramitação e que ainda iria ser resolvido, ou seja, há aqui um sistema de "passa culpas", porque não é dificuldade em deter João Rendeiro, é falta de vontade em deter João Rendeiro. Se os tribunais tivessem tido vontade, João Rendeiro estaria detido, provavelmente já no final de julho. É evidente que João Rendeiro, conhecendo toda esta inoperância, desta falta de vontade, eventualmente com cúmplices no sistema, fugiu no momento adequado do ponto de vista da sua estratégia de fuga", diz.

João Rendeiro, "procura-se"

Paulo Morais também referiu a possibilidade de João Rendeiro se encontrar num país sem acordo de extradição com Portugal e de escapar à Justiça portuguesa.

"Eu acho que isto vai ser mais uma vergonha, aliás, é uma vergonha crónica para o sistema de Justiça português, porque se, com Rendeiro à disposição e à sua mercê, os tribunais não tiveram coragem para o prender, é evidente que as cumplicidades que existem entre João Rendeiro, entre alguns magistrados, entre a classe política, naturalmente, João Rendeiro é uma personalidade suficientemente forte para conseguir, durante muito tempo, dirimir em tribunal o processo de extradição que seja apresentado contra ele, e recordo que João Rendeiro é uma pessoa de grande relevância política a nível nacional", acrescenta.

O professor deu exemplos da presença e da força de João Rendeiro no meio político e social português.

"Eu lembro que, quando o Presidente da República, então, Aníbal Cavaco Silva, criou a EPIS, os Empresários pela Inclusão Social, quem o Presidente da República de então escolheu para presidente foi, justamente, João Rendeiro. João Rendeiro não é um criminoso em fuga, é uma personalidade de grande peso na vida política e social portuguesa, que tem, certamente, os aliados necessários para garantir que jamais o seu processo de extradição seja consequente, e se eu tivesse hoje de apostar, infelizmente, apostaria que João Rendeiro, tendo fugido para o estrangeiro, jamais será preso em Portugal", termina.

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