Durante dois anos, uma universitária do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa perseguiu várias estudantes da mesma faculdade através do envio de centenas de mensagens e e-mails anónimos, de fotomontagens com teor sexual e de ameaças constantes.
A Investigação SIC teve acesso ao processo que levou à pena mais pesada de sempre em Portugal pelo crime de perseguição: 7 anos e 9 meses de prisão efetiva.
Entre 2019 e 2021, a arguida perturbou, sobretudo, uma estudante mais nova do ISCSP. O Tinder foi o primeiro passo.
A 20 de março de 2019 é criada uma conta falsa na rede social de encontros, com uma fotografia alterada e uma ligação direta à página de Instagram da vítima.
No dia seguinte são feitas tentativas de acesso ao Facebook, Instagram e à plataforma de ensino Moodle. Tudo redes sociais da mesma estudante.
"Naturalmente, a aluna já estava preocupada. Já se sentia incomodada com a situação. Durante a conversa (com a Direção da Faculdade) )começou a receber notificações de tentativas de acesso. Portanto, era uma coisa que acontecia com alguma frequência", disse Ricardo Ramos Pinto, Presidente do ISCSP.
Nos meses seguintes, houve centenas de tentativas de acesso às redes sociais da aluna e de pedidos de recuperação de senhas.
Foram enviadas encomendas nunca pedidas para a residência da vítima e foram marcadas consultas e cirurgias com os contactos da vítima. A SIC descobriu as marcações de Imagiologia, no Hospital SAMS, lapioplastia, numa clínica em Lisboa, uma consulta de cirurgia plástica no Hospital da Luz, uma de cardiologia e outra gastrenterologia.
"Ainda me recordo bem porque foi uma coisa que nos marcou. Quando recebemos um e-mail com estas informações, pensámos.... O que é que se passa aqui?", revelou João Machado, ex-presidente da Associação de Estudantes do ISCSP.
As mensagens ameaçadoras
Até 2021, a vítima principal recebeu inúmeras mensagens ameaçadoras, consultadas pela Investigação SIC.
26 de abril 2020 às 21:51: "Cabra de m***. Atrasada mental."
10 de abril 2020 às 22:51: "Não morras sufocada. Morre com Covid-19."
3 de maio 2019 às 00:28: "Pareces uma palhaça quando te maquilhas. Lava-te. Não queremos descer ao ponto de ser pessoas de m**** como tu."
28 de junho 2019: "Não passas de uma medíocre. Coitados dos teus ex-namorados.."
15 de agosto 2020 às 02:07: "As piores coisas acontecem sem aviso."
18 de agosto 2020 às 19:04: "Sua estúpida. Suicida-te. És mais feia que o meu vómito."
18 de agosto 2020 às 19:04: "Mata-te. Se um dia te apanho, ficas toda negra."
A confissão da arguida
No processo consultado pela Investigação SIC, o Ministério Público junta um e-mail enviado em nome próprio pela arguida em que confessa os crimes, incluindo as pistas falsas que levaram as autoridades a fazer buscas nas casas de três estudantes.
Essa versão acabou por ser negada mais tarde pela mulher. No julgamento, voltou a garantir que está inocente e que nunca perseguiu as vítimas.
13 de janeiro 2020 às 02:49: "Sim, fiz tudo, e sim, incriminei as outras três idiotas. E uma coisa é certa: tive a diversão da minha vida. Como é que fiz tanta coisa sozinha? Inteligência, um bocado de psicopatia à mistura e… eu sei o que faço. Agora já não existe piada nenhuma em continuar este jogo, e sinceramente, também tenho exames para estudar. O tempo está escasso.. Portanto, é isto."
7 anos e 9 meses: a pena mais pesada de sempre por perseguição
A responsável pela perseguição foi condenada a 7 anos e 9 meses de prisão efetiva por 18 crimes de perseguição, falsidade informática e denúncia caluniosa. Está, também, obrigada a pagar mais de 50 mil euros em indemnizações. É a pena mais pesada que a justiça portuguesa aplicou até hoje pelo crime de perseguição.
"Extensa prova documental."
"Factos gravíssimos."
"Foi brutal o que estas vítimas passaram."
"Isto não tem qualificação."
- TRIBUNAL JUDICIAL DE LISBOA
Investigação SIC: Conte-nos o que merece ser denunciado através do email investigacao@sic.pt.