Eutanásia

Eutanásia: Tribunal Constitucional anuncia decisão

Foi no início deste ano que o Presidente da República enviou para o Tribunal Constitucional o diploma aprovado no Parlamento, para onde vai voltar agora e pela 4.ª vez. Em reação a esta decisão, Chega e PSD convergem: referendo é o caminho.

Eutanásia: Tribunal Constitucional anuncia decisão
MANUEL ALMEIDA
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Cumprindo o prazo de 25 dias estabelecido pela Constituição, o Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se esta segunda-feira sobre o decreto aprovado na Assembleia da República que despenaliza a eutanásia, mas que levou o Presidente Marcelo a pedir aos juízes do Palácio Ratton a fiscalização preventiva do documento.

Os juízes do Palácio Ratton voltaram a declarar a “inconstitucionalidade” da lei da eutanásia e por maioria (sete juízes contra seis). Apesar dos “esforços”, os deputados “optaram por ir mais além”, sustentou o presidente do TC, João Caupers, depois de a juíza relatora, Maria Benedita Urbano, ter anunciado a “inconstitucionalidade" do decreto.

"Comprovou o Tribunal que o legislador, tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados na versão anteriormente fiscalizada, optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior", salientou.

Admitindo que, ao fazê-lo, o Parlamento "limitou-se a exercer as competências que a Constituição lhe atribui", João Caupers observou que tal opção "teve consequências, pois implicou que o TC, chamado a pronunciar-se e aplicando a Lei Fundamental, houvesse de proceder a uma nova fiscalização, incidindo sobre as normas alteradas que foram objeto do pedido do Presidente da República", disse.

Além disso, e ao caracterizar a tipologia de sofrimento em "três características («físico, psicológico e espiritual») ligados pela conjunção "e", são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto", sustentou o presidente do TC.

Dessa forma, sustentou João Caupers, o legislador "fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)".

"Foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei", justificou, lembrando que o TC tinha considerado, numa anterior pronúncia, "que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias e que as condições em que é legalmente admissível a morte medicamente assistida têm de ser «claras, antecipáveis e controláveis» (Acórdão n.º 123/2021), cabendo ao legislador defini-las de modo seguro para todos os intervenientes".

O juiz referia-se ao primeiro acórdão, de março de 2021, que também declarou inconstitucional uma anterior versão do diploma. Na sequência daquele acórdão, notou Caupers, a Assembleia da República aprovou uma nova versão da lei relativa à morte medicamente assistida não punível e "a expectativa do Tribunal era a de que nela tivessem sido introduzidas as modificações insinuadas naquele aresto".

Este foi o terceiro decreto aprovado no Parlamento sobre a eutanásia e a segunda vez que o chefe de Estado, nesta matéria, requereu a fiscalização preventiva.

E agora, o que acontece?

De acordo com a Constituição, o decreto deverá "ser vetado pelo Presidente da República" e “devolvido ao órgão que o tiver aprovado”, neste caso o Parlamento.

Numa curta nota publicada no site da Presidência, minutos após ser divulgada a decisão do Ratton, o chefe de Estado confirmou que vai devolver o diploma ao Parlamento.

“Tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado hoje pela inconstitucionalidade de preceitos da nova versão do decreto da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida, o Presidente da República vai devolver, de novo, o diploma à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do art.º 279.º, número 1, da Constituição, logo que publicado, no Diário da República, o Acórdão daquele Tribunal”, lê-se na nota.

O diploma, aprovado no passado dia 9 de dezembro, estabelece que a "morte medicamente assistida não punível" ocorre "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

À data do envio, e segundo nota publicada no site da Presidência, o chefe de Estado justificou a decisão com o facto de “a certeza e a segurança jurídica” serem "essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias".

O objetivo de Marcelo era saber se o Parlamento "cumpriu as obrigações de densificação e determinabilidade da lei". Até porque, recordou, "em 2021, o TC formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre a morte medicamente assistida - que considerou inconstitucional - e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República".

"Problema semântico” que PS promete esclarecer ao TC

Coube à deputada Isabel Moreira reagir em nome do PS ao “acórdão complexo” e “com muitas declarações de voto” do TC. Referindo que em causa, aparentemente, “uma palavra - o sofrimento de grande intensidade - [o TC] quer que explicitemos aquilo que para nós está absolutamente explícito, cumulativo ou não”.

Isabel Moreira referiu ainda, em declarações no Parlamento, que o TC “não valida as questões mais fortes levantadas pelo Presidente”. Pelo que, acrescentou, “há aqui um problema semântico que para o TC foi suficientemente forte”.

“Cá estaremos” para corrigir a lei

João Cotrim de Figueiredo, pela Iniciativa Liberal (IL), disse acreditar que se o Parlamento corrigir a a redação da lei da eutanásia, o Tribunal Constitucional irá aprová-la da próxima vez.

"Trata-se de um problema de redação na cabeça dos legisladores e dos vários partidos nestes grupos de trabalho. Se o senhor Presidente da República entender devolver a lei à Assembleia, cá estaremos para fazer essa correção. E será desta que teremos uma lei da morte medicamente assistida".

“Só se resolve com um referendo”

O líder e deputado do Chega considerou que o acórdão do TC é “claríssimo”, contestando o que disse ser uma “trapalhada de um processo legislativo”. “Qualquer pessoa perceberia a falta de concretização de conceitos. Era um assunto demasiado sério para fazê-lo com trapalhadas e à pressa”, vincou André Ventura.

Esta questão, concluiu, “só se resolve com um referendo”, parece-nos a única forma de resolver este problema de forma justa e consensual.

É importante evitar criar "insegurança”

Pela voz do Livre, Paulo Muacho afirmou aos jornalistas, no Parlamento, que tem de exigir “certeza jurídica” para que “não crie insegurança nas pessoas”. “Esperamos que rapidamente isso possa acontecer no Parlamento e se possa aprovar uma nova versão da lei”.

PSD também defende referendo

O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, “lamenta que o país não tenha tido a possibilidade de ser auscultado sobre esta matéria” que, vincou, exige um “consenso relativo”. É preciso olhar com “cuidado e prudência” para uma matéria que “deve ser sujeita a referendo como outras no passado”.

O PSD "sempre pugnou pela realização de um referendo e continuar a pugnar, e todo este processo dá razão ao PSD

CDS saúda decisão

O CDS saúda “efusivamente” a decisão do TC porque “reitera o respeito pela Constituição e pelos Direitos Humanos”. Lembrando que os centristas são “contra a eutanásia”, o CDS reitera que “esta versão (…) alargava em muito o âmbito da aplicação da eutanásia, uma lei que ia para além dos casos excepcionais e de terminalidade – como nos quiseram fazer crer há 7 anos”.

“Os prazos propostos eram irrealistas, pouco seguros, a fiscalização efectiva não estava assegurada, e (…) viabilizava o homicídio a pedido, que permitia que pessoas que não estão nem doentes nem no fim da sua vida a tenham abreviada em vários anos”, contesta o CDS, num comunicado enviado às redações e assinado por Nuno Melo, Isabel Galriça Neto, Paulo Núncio e Telmo Correia.