Orçamento do Estado

O que os partidos foram dizer ao Presidente Marcelo sobre o OE 2023

Uma vez entregue a proposta de Orçamento do Estado no Parlamento, o Presidente Marcelo recebeu os representantes dos oito partidos com assento parlamentar. Mas nem só sobre o documento se conversou em Belém.

Bandeira de Portugal a meia-haste no Palácio de Belém, em Lisboa.
Bandeira de Portugal a meia-haste no Palácio de Belém, em Lisboa.
MÁRIO CRUZ

Dois dias depois de dar entrada no Parlamento, e da apresentação feita pelo ministro das Finanças e sua equipa de secretários de Estado, o chefe de Estado chamou, como habitualmente, a Belém os partidos com assento parlamentar para ouvi-los sobre a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2023.

O primeiro a ser recebido foi o Livre e o PS o último. Mas além do OE, outros temas houve que marcaram os encontros, nomeadamente os abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa e o pedido enviado por Marcelo ao Parlamento para que proceda à revisão da legislação sobre incompatibilidades de titulares de cargos políticos.

Entre críticas (muitas) à proposta do Governo, com o voto contra a ser pré-anunciado pela maioria, o documento vai ser debatido na generalidade no Parlamento nos dias 26 e 27 de outubro, estando a votação final global marcada para 25 de novembro.

OE tem sido “bem aceite pelos destinatários principais”, diz PS

A fechar as audiências no Palácio de Belém, pelo PS foi Carlos César quem se dirigiu aos jornalistas, mencionando a importância do acordo alcançado em sede de concertação social.

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Ao chefe de Estado manifestaram, disse, “por um lado, a nossa satisfação por termos conseguido este acordo com os parceiros sociais, um acordo muito importante por que demonstra a humildade de um governo com maioria absoluta e por outro, ao contrário, a falta de humildade de partidos que manifestaram uma absoluta oposição a essa concertação social”.

Esse "esforço que fizemos traz estabilidade, confiança e será essencial para prosseguirmos estes objetivos orçamentais”, afirmou o socialista, sublinhando que "em geral a proposta tem sido bem aceite pelos seus destinatários principais que são as pessoas, os representantes dos trabalhadores, do patronato e das empresas, e compreensão por parte analistas e observadores".

PSD faz anúncio: voto contra

O PSD, através do líder, anunciou desde já que o partido vai votar contra o Orçamento do Estado para 2023. Luís Montenegro diz que a proposta do Governo não prevê uma mudança estrutural no país.

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"Não temos esperança que este orçamento possa ele próprio ter remendo no sentido de se poder configurar como um instrumento positivo de políticas públicas no próximo ano e portanto tivemos ocasião de dizer ao senhor Presidente da República que nós rejeitaremos no parlamento este orçamento", respondeu à saída da audiência com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Para Montenegro, "este é um orçamento de desesperança, é um orçamento que está associado a um Governo de braços caídos, a um Governo que não tem a força transformadora que se exigia a quem tomou posse há meia dúzia de meses".

Questionado sobre o pedido que o chefe de Estado enviou para a AR, Montenegro insistiu numa "investigação profunda" por parte das autoridades judiciárias sobre os alegados casos de incompatibilidade de diferentes membros do Governo para se concluir se houve ou não violação da lei.

Chega e o “orçamento de operações cirúrgicas”

"Este não é um Orçamento do Estado de reforma nem de fortalecimento da economia, este é um orçamento de operações cirúrgicas, e Portugal precisava de um orçamento que robustecesse a economia e que fosse uma ajuda às famílias e às empresas", disse o líder do Chega, aos jornalistas no final da audiência com o Presidente da República.

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De acordo com André Ventura, o chefe de Estado foi "sensível a alguns" dos argumentos do partido, tendo na audiência sido ainda abordada "a situação internacional e como se pode deteriorar muito rapidamente, a situação dos mercados internacionais, a situação militar internacional e sobre como o país tem que estar preparado para enfrentar os desafios nos próximos tempos".

“Na nossa perspetiva não é com este orçamento, por isso a proposta que vamos levar quer à direção nacional do partido quer à ao grupo parlamentar é de votar contra o Orçamento do Estado para 2023”

Saliente-se que, tal como os representantes dos outros partidos, o líder do Chega também foi confrontado com a polémica que envolve o Presidente Marcelo, tendo sido aquele que ocupou mais tempo da sua intervenção a comentar a questão, com André Ventura a deixar até uma sugestão: “Se fosse Presidente da República, quando acabassem as audiências, vinha aqui e falava convosco e explicava ao país”.

A “enorme desilusão” da IL

À saída daquilo que qualificou como "uma audiência particularmente profunda" com o Presidente da República, o presidente da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim Figueiredo, disse que comunicou a Marcelo Rebelo de Sousa que o partido "irá votar contra este orçamento".

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“Era um orçamento que tínhamos alguma expectativa porque se tratava do primeiro orçamento verdadeiramente da lavra do ministro Fernando Medina, o primeiro orçamento em que o PS verdadeiramente não tinha que negociar nada com a extrema-esquerda e foi uma enorme desilusão vermos que neste orçamento não há um resquício de qualquer coisa parecida com uma reforma estrutural. Nada. Absolutamente nada”

Para o líder liberal, permanece a dúvida que a IL "há muito vem chamando a atenção" que é saber “porque é que Portugal não consegue crescer como os outros países”, apontando ainda o facto de que “o orçamento manifesta algumas das facetas menos agradáveis da governação do PS na sua natureza nublosa, vagarosa, habilidosa, enganosa”.

Por estas razões, rematou, “anunciamos que íamos votar contra o Orçamento do Estado já na generalidade e depois previsivelmente também na especialidade”.

Quanto à polémica do momento, Cotrim Figueiredo disse não pôr em dúvida que Marcelo Rebelo de Sousa “possa ter sido mal interpretado”, mas referiu: “Uma pessoa, quando por deficiência de comunicação, ofende ou magoa terceiros, não tem nada mais do que reconhecer que errou e pedir desculpa, era isso que nós exigíamos que fosse feito e até agora não aconteceu”.

Não é justo nem responde às necessidades do país, diz PCP

No final da reunião com o chefe de Estado, o secretário-geral do PCP não revelou o sentido de voto do partido, mas insistiu que a proposta do Executivo não responde às necessidades do país.

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O OE para o próximo ano "não é justo na medida em que privilegia não as pequenas e médias empresas, ou os pequenos e médios comerciantes e agricultores, mas sim os grandes grupos económicos multinacionais, que podem de uma forma desbragada aumentar os lucros, sacá-los e enviá-los para os paraísos fiscais, enquanto se assiste à discussão em relação a uma reforma, a uma pensão ao salário mínimo, ou seja, a questões tão concretas que afetam de facto milhões de portugueses.

"Enfim, o Governo fez uma opção", lamentou Jerónimo de Sousa.

Saliente-se que, o PCP fez parte do leque de partidos que reagiu - embora sem abordar a polémica - às declarações de Marcelo sobre os abusos na Igreja Católica. Questionado hoje à saída de Belém, o comunista começou por vincar que "o PCP não costuma dar orientações ao Presidente da República”.

Ainda assim, e ”mais do que pedir desculpas a questão é: existe um problema, existe uma matéria, há que fazer o apuramento e naturalmente tirar as consequências desses factos anunciados, comprovados e, naturalmente, com as consequências que são devidas”.

BE destaca os “números martelados”

O Bloco de Esquerda, pela voz da coordenadora Catarina Martins, insiste que o Governo não apostou em mecanismos para travar a inflação e que a proposta de Orçamento do Estado promove o empobrecimento do país.

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“Este OE, o conjunto de decisões [nele contidas], significa que há um empobrecimento da generalidade da população, ou seja, não há atualização de salários e pensões ao nível da inflação, nem há mecanismos de travar a inflação uma vez que continuamos a premiar os grandes grupos económicos que têm especulado com os preços e causado a subida de preços que todas as pessoas veem no seu quotidiano”

Mais. A proposta do Governo "anuncia uma série de medidas com números martelados, ou [que] na verdade têm impacto zero”.

O Bloco reunirá, entretanto, a Comissão Política para a decisão formal do voto, mas, adiantou Catarina Martins, "diria que ninguém ficaria espantando se a proposta que vou levar a essa reunião seja de voto contra, uma vez que o que está em causa é um orçamento que está a empobrecer os trabalhadores ao mesmo tempo que continua a premiar processos especulativos tanto na habitação, como na energia, como nos bens alimentares que vão contribuindo para o empobrecimento generalizado do nosso país".

PAN critica atual proposta e promete agir na especialidade

À saída do Palácio de Belém, Inês Sousa Real, do PAN, lamentou que “persista” na proposta de OE “o conservadorismo fiscal que tem repercussões não só no IVA dos cuidados médico veterinários, mas também em outras áreas como o cabaz essencial [de alimentos]”.

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"Não basta atribuir agora os 125 euros, é fundamental que haja um acompanhamento daquilo que é o mínimo de existência para as famílias neste contexto de crise e apoios mais diretos. O que não podemos ter é um Governo que continua a dar com uma mão às empresas que mais poluem e lucram, à conta da asfixia fiscal para as famílias e empresas do nosso país”

Quanto ao sentido de voto que o PAN terá, Inês Sousa Real diz que a proposta do Executivo ainda está a ser analisada, mas promete desde já que não se demitirão “de fazer o nosso papel na especialidade e de apresentar propostas”. Mas, neste momento, afirmou, "está tudo em aberto, sendo que não iremos acompanhar do ponto favorável este orçamento".

Sobre a polémica que está a marcar a atualidade - as declarações do chefe de Estado -, a deputada reiterou a necessidade de Marcelo vir a público “pedir desculpa”. “O abuso sexual de menores é um crime de uma natureza extremamente grave. Em política todos podemos ter expressões menos felizes, mas devemos reconhecê-las e devemos precisamente pedir desculpa. Esperamos isso de Marcelo Rebelo de Sousa”, disse.

O aviso de Rui Tavares, do Livre

Pela voz do Livre, Rui Tavares afirmou, à saída do encontro, que a proposta de OE é uma estratégia de consolidação orçamental arriscada, alertando que o Governo se pode enganar na leitura do ciclo económico atual e que, em consequência dessa interpretação, o país venha a enfrentar uma recessão económica.

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“O Governo decidiu dar prioridade à consolidação orçamental, apresentar um OE mais pequeno, mais coeso e priorizar a diminuição do défice e da divida, achando que está num ciclo económico em que a economia está em expansão, embora abrande, e em que não há riscos de recessão. Ora, o que é que o Livre diz: o Governo já se enganou no ano passado. (…) Se o Governo se estiver a enganar [agora também], e os risco de recessão se forem avolumando na Europa”, avisou, recorrendo a uma metáfora para explicar o efeito que esse engano terá.

“Quem aborda uma curva e vai no carro, travar a fundo em plena curva pode significar o descontrole do carro”, ou seja, “o Governo pode estar a optar por uma estratégia de consolidação orçamental que depois acaba por ser má para o orçamento, para a dívida e para o défice porque se a recessão é mais profunda repete-se o cenário de há dez anos, em que a consolidação só provocou recessão”.

As audiências no Palácio de Belém vão acontecer ao longo do dia de hoje, e por ordem crescente de representação parlamentar, tendo arrancado com o Livre e terminando, já durante a tarde, com o PS.

[Notícia atualizada às 18:42]