Depois do Bangladesh e Índia, é a vez do Paquistão enfrentar uma situação extrema devido às chuvas das monções deste ano. As estimativas apontam para mais de 30 milhões de deslocados e 1.300 mortos. A destruição atinge 1.2 milhões de casas, 1.800 escolas e 1.500 infraestruturas de saúde. Um terço do território encontra-se debaixo de água, o que levou à inundação de campos agrícolas numa extensão equivalente a 2 vezes o tamanho do algarve e à morte de 735.000 cabeças de gado.
A distância geográfica pende para amenizar a perceção dos estragos e o sentimento de compaixão. Ao contrário da Covid-19 ou da guerra na Ucrânia, não vemos efeitos desta desgraça no preço dos alimentos, dos combustíveis ou nos juros do crédito.
Mas que não haja dúvida que a situação agora vivida no Paquistão é um problema de todos e urgente. Não deixa de ser curioso constatar a dificuldade da opinião pública em perceber o quanto o conforto da sua vida pode depender do que acontece noutro lado do mundo.
É curioso, sobretudo depois de termos vivido dois anos de pandemia que viraram a nossa vida do avesso. Quando percebemos que os contágios podem atravessar o mundo e só termos noção disso quando nos afeta diretamente. Que a cooperação internacional continua frágil e incapaz de dar as respostas necessárias para proteger a vida e o bem-estar. Que sabemos o quanto a política falhou perante os avisos da ciência.
Olhar para a situação no Paquistão recorda-nos que as causas, as soluções e as implicações dos problemas têm uma existência global. Vários estudos têm sido perentórios em associar a maior intensidade das chuvas das monções às alterações climáticas. As chuvas são mais intensas, duram mais tempo e ocorrem em regiões onde não ocorriam. Ao mesmo tempo, verifica-se o fenómeno de calor extremo noutras épocas do ano.
As consequências não são difíceis de entender: fome, doenças e vagas migratórias. De forma direta ou indireta, todos os países sem exceção estão vulneráveis. Está em causa a falta de alimentos, o aumento dos refugiados em condições sub-humanas e a concentração insustentável de pessoas em megacidades. Se estas dinâmicas marcaram, primeiro, os países do ocidente, nos últimos 50 anos têm caracterizado os países altamente povoados de África, Ásia e América Latina.
A ajuda ao Paquistão não se esgota no envelope financeiro estimado em 30 mil milhões de dólares. Sim, deve-se ajudar numa base de solidariedade humana, mas a ajuda tem de ir mais longe.
Tem de incluir a noção que fenómenos climáticos extremos são causa do aquecimento global originado pela ação humana. Que milhões de pessoas ora morrem ora sofrem por um modo de vida do qual não beneficiam e as remete para uma vulnerabilidade crónica. Que as implicações destes fenómenos irão, mais cedo ou mais tarde, tocar à nossa porta.
Sobretudo, que falar de alterações climáticas ou do aquecimento global deixou de ser uma coisa de ambientalistas. Falar da causa ambiental é falar na nossa existência tal como a conhecemos e que não há saúde humana sem a sustentabilidade do planeta.
Apesar da questão ambiental ter entrado no léxico político e de Portugal, em concreto, estar a encetar esforços para a redução de gases com efeito de estufa, os dados internacionais são preocupantes: prevê-se que a extração de carvão seja 240% superior ao necessário para limitar o aumento da temperatura em 1.5ºC até 2030. A extração de petróleo está estimada em +57% e de gás em +71%.
As cimeiras do clima e os acordos internacionais continuam a ter pouco eco nas políticas dos países. Daí estar a ser proposto o Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis como uma iniciativa da sociedade civil e de universidades espalhadas pelo mundo. Milhares de personalidades políticas, ativistas e científicas – incluindo 100 prémios Nobel – e dezenas de cidades e organizações já aderiram ao tratado.
Procura-se a mobilização global imprescindível para terminar a expansão de infraestruturas de produção de combustíveis fósseis, reduzir de forma coordenada essa produção e assegurar a transição financeira para modelos de produção e consumo de energia com baixa dependência do carbono.
Todos os avisos estão a ser feitos.