Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Opinião

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O planeta futebol

É um mundo à parte. Um fenómeno espantoso, diferente, muito diferente de todos os outros.

O planeta futebol
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Reparem no impacto que a bola tem no estado de espírito das pessoas. No seu humor, na sua saúde emocional, na sua autoestima.

O futebol cria sensações que nenhuma outra atividade consegue criar. Da ilusão à desilusão, da alegria à tristeza, da euforia ao desânimo. Uma montanha russa de emoções difíceis de explicar. A viagem pode demorar meses, semanas, dias ou até segundos. Depende. Depende do jogo ou do momento. Depende de tudo ou de nada.

É uma loucura. É magia pura. É o seu fator diferenciador. Aquilo que o torna raro e especial. Aquilo que o torna tão valioso.

Paixão e razão num remate, num lance. Num só golo.

Perfeito.

Mas convém olhar também para o outro lado do tabuleiro. Para o lado que mora a montante da espuma superficial, onde as regras têm que ser necessariamente diferentes.

Não é possível gerir uma multinacional deste calibre com o coração nas mãos. Com o pensar de adepto.

Um fenómeno assim, com este peso e valor, exige mais, muito mais. Exige ética, razoabilidade e racionalidade. Exige fiscalização. Exige proteção e vigilância.

Quando poder e dinheiro partilham o mesmo teto, as tentações multiplicam-se. Os perigos espreitam. É fundamental que todas as pessoas envolvidas na atividade sejam (e pareçam) sérias, íntegras e responsáveis. Se não forem - se não parecerem - a indústria perde força e credibilidade. Perde valor.

Pior é quando as coisas caem nas mãos dos maus da fita. Dos oportunistas. Dos chico-espertos que, à primeira oportunidade, tentam subverter o produto em proveito próprio.

Que soem os alarmes, porque aí o espetáculo corre riscos sérios, que o talento e a seriedade de quem está em campo bem dispensam.

Das apostas ilegais à manipulação de resultados, das tentativas de suborno às más práticas empresariais, da fuga ao fisco às comissões duvidosas, das transferências opacas ao enriquecimento injustificado. Pode dar para tudo se não houver controlo apertado e escrutinado milimetricamente todos os dias, a toda a hora.

É preciso que a ética e o respeito que tanto se exige a jogadores, árbitros, treinadores e adeptos se estenda também àqueles que, cá de fora, gerem a grande empresa em que o jogo se tornou.

O futebol em Portugal ainda não é gigante, mas é suficientemente apelativo para convidar aprendizes de abutres a pairar nos céus.

É necessário que estejamos atentos à saúde moral das nossas competições, identificando quem dá sinais de se mover por valores diferentes dos ideais.

A dimensão ímpar da indústria, a influência emocional que tem na sociedade e a forma como interfere diretamente na vida de tanta gente boa, não pode permitir a presença de quem tem agenda desviante.

O jogo é demasiado especial e há muitas pessoas comprometidas e empenhadas que não o merecem.

Um mundo à parte tem que ter cuidados à parte e o futebol não é diferente.

O ex-árbitro internacional Duarte Gomes é comentador da SIC e tem um espaço de opinião no site da SIC Notícias.