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As alegadas luvas de milhões que levaram à detenção de Manuel Pinho

O antigo ministro e a mulher foram detidos esta terça-feira após interrogatório no âmbito do caso EDP.

As alegadas luvas de milhões que levaram à detenção de Manuel Pinho
NICOLAS ASFOURI

Após interrogatório, na manhã de terça-feira, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) para ser ouvido sobre mais de 600 novos factos no âmbito da investigação do Ministério Público ao caso EDP e Grupo Espírito Santo (GES), o antigo ministro de Sócrates foi detido, assim como a mulher Alexandra Pinho.

Nove anos depois do arranque da investigação, e já perto de terminar o prazo para a realização do inquérito, mais de 600 novos factos foram apresentados pelo Ministério Público no passado mês de novembro, tendo culminado com a detenção do antigo governante.

Suspeito de corrupção, branqueamento de capitais, participação económica em negócio e prevaricação num processo relacionado com o Grupo Espírito Santo, Manuel Pinho terá recebido luvas de mais de quatro milhões de euros através de quatro offshores, em troca de alegadas decisões, enquanto ministro da Economia, que terão favorecido a EDP e o GES.

Parte desse valor terá sido pago a um ritmo de 15 mil euros por mês, através de uma sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

Ainda esta terça-feira, ambos serão ouvidos pelo juiz Carlos Alexandre no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.

Mais de 280 mil euros não declarados

Manuel Pinho terá recebido 58 mil euros numa offshore em Gibraltar e a mulher 230 mil euros em pagamentos do GES, que não foram declarados ao Fisco.

A SIC Notícias, que teve acesso à indiciação do Ministério Público, detetou pagamentos feitos pelo BES a Alexandra Pinho entre 2008 e 2009, no total 230 mil euros.

Além desse dinheiro, recebia um salário mensal de sete mil euros, como curadora da coleção de fotografia do BES, o Best Art. Os procuradores acreditam que este dinheiro foi uma recompensa de Ricardo Salgado a Manuel Pinho, de forma a ser favorecido em projetos imobiliários do Grupo Espírito Santo.

Alexandra Pinho é suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foi precisamente a investigação à mulher de Pinho, que levou o Ministério Público a descobrir mais dinheiro que o antigo ministro recebeu através de offshores.

Além dos 15 mil euros que recebia mensalmente do GES, quatro meses antes de Manuel Pinho deixar o Governo, caiu na conta de Alexandra Pinho um cheque de 58 mil euros, que veio de uma empresa de construção civil com sede em Gibraltar, um paraíso fiscal. Montante que, disse Manuel Pinho, resultou da venda de um terreno no Monte Estoril, que tinha herdado.

Tanto o dinheiro da offshore de Gibraltar, como o que a mulher recebeu do BES, não foram declarados às Finanças. No total são 284 mil euros, que terá provocado um prejuízo ao Fisco de 170 mil euros.

Recorde-se que, em outubro deste ano, uma nova investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas (Pandora Papers) incluiu o nome de Manuel Pinho na lista de políticos envolvidos em ocultação de fortunas em paraísos fiscais.

Os almoços com António Mexia

Entre 2006 e 2009, o à data ministro da Economia e o presidente da EDP terão tido mais de 50 encontros, entre os quais almoços.

A informação foi avançada em agosto deste ano pelo jornal Correio da Manhã citando os procuradores do DCIAP que consideraram as datas desses encontros e nomeações ou outras decisões uma coincidência temporal que, saliente-se, terá beneficiado a elétrica em 1,2 milhões de euros. Em troca, a EDP terá apoiado a carreira profissional e académica de Manuel Pinho depois de este sair do Governo, em 2009.

Confrontado com esta informação, o antigo ministro disse não saber responder quantos encontros teve com António Mexia, mas garantiu, conforme apurou a SIC Notícias à data, que as reuniões eram naturais por se tratar de uma empresa que tinha o Estado como maior acionista. Manuel Pinho negou, porém, qualquer troca de favores.

O caso EDP e a lista de arguidos

Também conhecido como processo das rendas excessivas da EDP, o inquérito levou a que o presidente da EDP, António Mexia, e presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, fossem constituídos arguidos, em junho de 2017. Os dois gestores são suspeitos, em coautoria, da prática de quatro crimes de corrupção ativa e de um crime de participação económica em negócio.

O processo tem também como arguidos o antigo ministro da Economia, o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho, João Conceição, o antigo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas.

Relativamente a António Mexia e a João Manso Neto, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, determinou, como medidas de coação, a suspensão do exercício de função em empresas concessionárias ou de capitais públicos, bem como qualquer cargo de gestão/administração em empresas do grupo EDP, ou por este controladas, em Portugal ou no estrangeiro, a proibição de entrar em todos os edifícios da EDP e o pagamento de uma caução de um milhão de euros.

Em março deste ano, o juiz de instrução Ivo Rosa revogou a caução de um milhão de euros aplicada ao ex-presidente da EDP António Mexia e a Manso Neto, da EDP Renováveis, no âmbito do processo EDP/CMEC, tendo ambos ficado apenas sujeitos ao Termo de Identidade e Residência.

A revogação da caução, argumentou Ivo Rosa à data, deveu-se a uma alteração de circunstâncias, isto é, cessaram todas as outras medidas de coação que a própria caução estava a garantir, entre as quais o abandono por ambos dos cargos de gestão na EDP. "Deixaram de subsistir os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de caução aos arguidos", argumentou o juiz.

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