O Mundo a seus Pés

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Daniel Pinéu: “Está claramente a haver uma erosão da ordem mundial que foi criada em 1945. Mais do que uma revolução, é uma revelação“

Nesta conversa com Daniel Pinéu, investigador e perito em relações internacionais, combina uma reflexão histórica com uma ponderação política e oferece uma perspetiva crítica sobre o papel das grandes potências e dos mecanismos de justiça global. Oiça as explicações do analista sobre as guerras em curso, em Gaza e na Ucrânia, neste episódio do podcast O Mundo A Seus Pés

“Está claramente a haver uma erosão da ordem mundial que foi criada em 1945. (…) Mas na verdade aquilo que estamos a ver, mais do que uma revolução, se quisermos, é uma revelação.” A reflexão de Daniel Pinéu, professor e investigador em relações internacionais na Universidade de Amesterdão e analista na SIC Notícias, foi suscitada por uma série de perguntas sobre os desafios contemporâneos à ordem mundial.

No episódio do podcast “O Mundo a Seus Pés” desta semana, com sonoplastia de João Luís Amorim, o investigador em relações internacionais parte destas interrogações essenciais: que consequências teria para o mundo se Vladimir Putin conseguisse impor a sua vitória na Ucrânia? Ceder a um agressor representa o fim do mundo livre? E, num contexto em que apenas 29 países podem ser considerados democracias plenas, os valores da União Europeia e de outras instituições que garantem o multilateralismo, estão ameaçados pelo populismo interno?

José Fonseca Fernandes

Daniel Pinéu analisa a erosão da ordem mundial criada após a Segunda Grande Guerra e reforçada no pós-Guerra Fria, explicando que se tratou de uma arquitetura estabelecida pelos vencedores: “Nós não vimos, por exemplo, os aliados europeus a seguir à Segunda Guerra Mundial sofrerem o mesmo tipo de julgamento que os criminosos de guerra nazis, apesar de terem cometido crimes de guerra absolutamente horríveis, por exemplo em Dresden, e nós também não vimos os Estados Unidos serem levados ao TPI (Tribunal Penal Internacional) por causa do que aconteceu no Iraque, onde houve muitíssimos crimes de guerra, no Afeganistão, na Sérvia, durante a Guerra dos Balcãs; ou seja, nós ficámos sempre do lado dos vencedores, e, portanto, essa ordem liberal também tem uma espécie de uma autossatisfação.” Assim, é “difícil” dizer que a ordem mundial é verdadeiramente universal, “porque temos países que se reclamam o direito de a ignorar ou de se eximirem dessas regras, como, por exemplo, os Estados Unidos ou vários países europeus, que se eximiram dessas regras durante algum tempo”.

A fragilidade das instituições multilaterais como o Tribunal Penal Internacional e as Nações Unidas e a complexidade dos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente também radicam numa nova vaga de nacionalismos, argumenta Daniel Pinéu. “A Rússia acha-se absolutamente excecional, os Estados Unidos acham-se absolutamente excecionais, Portugal acha-se absolutamente excecional, o Reino Unido acha-se absolutamente excecional, a França acha-se absolutamente excecional, todas as nações têm esses mitos dentro do código do seu nacionalismo, e isso significa que esses políticos têm muitas vezes secundarizado, ou atacado mesmo, as instituições multilaterais que tentam fazer da ordem liberal internacional algo um pouco mais universal e com responsabilidade para todos, e não apenas para alguns.”

Na mesma linha, “os Estados tornaram as instituições internacionais, mesmo as mais poderosas, meros reflexos do poder que lhe delegam, não tendo poder próprio”. Na União Europeia, a ideia de um federalismo europeu ou de uns Estados Unidos da Europa ou de um super Estado europeu “essencialmente já não existe”, pelo que o bloco “deixou de ser mais supranacional, para ser mais intergovernamental”.

Dada a frustração das ambições de efetividade das organizações, as guerras na Ucrânia e em Gaza prosseguem, com Benjamin Netanyahu e Vladimir Putin em condições de reclamarem algumas vitórias. Não se trata de recompensar a violência armada, mas de compreender que “a paz nem sempre é justa”: a declaração do professor da Universidade de Amesterdão é provocadora, e inspira a que se reflita sobre ideias consensuais no Ocidente.

Julia Demaree Nikhinson // AP

Sobre o novo momento da política externa dos Estados Unidos da América, sob a liderança de Donald Trump, Daniel Pinéu também tem as ideias sistematizadas: “A Rússia é uma potência nuclear e os Estados Unidos não querem arriscar um confronto com uma potência nuclear (…). Os Estados Unidos sob Trump estão mais interessados em ter uma boa relação com a Rússia do que uma má relação com a Rússia e um custo económico desta guerra.”

Mas, nesta conversa, houve ainda tempo para um ‘salto’ até Gaza, com Daniel Pinéu a explicar por que a frase “Do rio ao mar” é mal compreendida, e a analisar as ações do Governo israelita.

Este episódio foi conduzido pela jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos e contou com a edição técnica de João Luís Amorim. O Mundo a Seus Pés é o podcast semanal da editoria Internacional do Expresso. A condução do debate é rotativa entre os jornalistas Ana França, Hélder Gomes, Mara Tribuna, Pedro Cordeiro e Catarina Maldonado Vasconcelos. Subscreva e ouça mais episódios.

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