O paradigma da tecnologia mudou: as inovações já não aparecem no meio militar, passando depois para o mercado - como aconteceu, por exemplo, com o GPS. Agora, é ao contrário. Em resposta, a NATO está à procura de ideias inovadoras e startups que possam solucionar problemas e dificuldades dos militares no terreno.
O programa Defence Innovation Accelerator for the North Atlantic (DIANA) e o Fundo de Inovação da NATO dispõem de mil milhões de euros para apoiar startups a desenvolver tecnologias que respondam aos desafios do presente e do futuro e que possam ajudar os países da Aliança em contexto militar. Em entrevista à SIC Notícias, David Van Weel, secretário-geral-adjunto para os desafios de segurança emergentes, explica que o objetivo do programa é criar uma “via rápida” para a tecnologia.
Está em curso o programa DIANA e o Fundo de Inovação da NATO para investir em startups que resolvam desafios de segurança. Quais os principais desafios que a NATO enfrenta atualmente?
Os principais desafios que enfrentamos na inovação é que esta já não começa necessariamente no setor da defesa. Invenções como o GPS, a internet ou os ecrãs touch foram inventados por investigadores e programadores do exército e fizeram o seu percurso até ao mundo comercial. Agora é ao contrário: todas as invenções vêm do mundo comercial. É um desafio para a defesa e segurança conseguir trazer essas tecnologias para o exército. O DIANA e o Fundo de Inovação da NATO são formas de contrariar esse desafio e criar ligações com os verdadeiros inovadores que estão aqui, por exemplo, na Web Summit.
Entre as estratégias de Tecnologias Emergentes e Disruptivas a NATO destaca a Inteligência Artificial (IA) e os dados. O aumento dos ciberataques são uma preocupação para a NATO? Como o DIANA pode ajudar a resolver este problema?
Vemos no ciberespaço um aumento da quantidade de ataques. Não são todos grandes ataques em que todo o país fica desativado por um ciberataque, mas estão em curso, são maliciosos, estão a acontecer a todo o momento. Por isso, dizemos que o ciberespaço é um espaço disputado. Isso significa que todos os Aliados precisam de conseguir defender-se continuamente e a IA e o “big data” vão ajudar a encontrar intrusos nas nossas redes mais rapidamente e ajudar a mantê-los fora.

Como é que o DIANA vai ajudar a resolver esse problema? Que tipo de tecnologias e startups interessam à NATO?
O que o DIANA vai fazer é delinear desafios que temos no exército. Isso pode ser no campo da cibersegurança, mas também pode ser no campo da comunicação, por exemplo. Temos visto na Ucrânia que há desafios a manter as comunicações e a Starlink, de Elon Musk, ofereceu uma solução. É nesse sentido que queremos que o DIANA se foque. Dependendo dos desafios, startups podem apresentar no DIANA as suas potenciais soluções tecnológicas. Nós não queremos saber que tecnologia é, mas se for uma solução potencial, então é bem-vindo.
Estiveram à procura de startups aqui na Web Summit?
Sim, definitivamente. A melhor parte disto é que não sabemos o que estamos à procura e muitas startups não sabem que a sua tecnologia pode ser ser aplicada [ao exército]. Um exemplo de uma solução que encontrámos aqui: hidrogénio em forma granulada. Podem imaginar que, no exército, levar o combustível é um processo logístico muito intenso. Vemos os russos a ter grandes problemas na Ucrânia para encontrar combustível para as suas tropas. Ter um combustível amigo do ambiente, que é facilmente transportável e armazenável será ótimo para o exército.
Outro exemplo foi uma startup que criou uma espécie de Google Maps com base em áudio, em que não é preciso olhar para o ecrã para ver para onde vai. Com base em áudio natural, irá ser guiado até ao seu destino. Podemos imaginar um soldado no escuro da floresta, durante a noite, a não querer olhar para o ecrã. Mas se for guiado por áudio será muito benéfico.
Não é sempre inovador, não parece sempre militar, mas há muitas aplicações militares para muitas destas tecnologias.
Portugal vai ter um “Accelerator Network Site" e um “Test Centre" no âmbito dos projetos. Qual é a função de cada um dos centros de inovação terá?
O "Accelerator" é onde a verdadeira magia acontece. São aceleradores já existentes - como o que selecionámos em Portugal. Estão já a trabalhar com startups, têm conexões no ecossistema e têm experiência em fazer crescer negócios comerciais e startups. Vamos fazer uso disso, mas vamos acrescentar uma camada NATO aos aceleradores para fazer com que trabalhem em problemas de defesa, mas também para ficarem conscientes da segurança à medida progridem.
Os "test centers" são basicamente institutos académicos de renome onde existem instalações para trabalhar na sua aplicação. Seja uma "sandbox" para IA ou se estiver a trabalhar numa solução quântica. É muito, muito caro ter o seu próprio laboratório para testes. A NATO irá providenciar esses centros de testes perto de onde estão as startups e Portugal tem um desses campo.
O DIANA e o Fundo de Inovação da NATO são programas que pretendem trazer o futuro para o presente. Como é que estes programas impactam a operação da NATO no contexto atual?
O que estamos a tentar fazer é diminuir o tempo que demora para trazer inovação para a Aliança. Se o fizéssemos de uma forma tradicional, tínhamos de ter um contrato com uma empresa de segurança - pode demorar anos até que a inovação chegue ao mundo da defesa. Com o DIANA, estamos a tentar criar uma via mais rápida. Não substitui o facto de termos tanques, aeronaves ou navios, mas irá providenciar e adicionar benefícios tecnológicos que fazem mesmo a diferença.
Nós vimos isso a acontecer na Ucrânia, onde são muitos rápidos no campo da nova tecnologia. Por exemplo para conter os drones que estão a ser disparados contra as cidades. Eles não têm anos para fazer isso, estão à procura da solução tecnológica mais rápida e implementam-na. E nós queremos fazer isso na NATO também
O conflito na Ucrânia irá ter influência na procura das startups?
Definitivamente. Há uma guerra a acontecer agora na Europa e vemos muitas coisas que iremos enfrentar no campo de batalha, em qualquer conflito no futuro também. Estamos a tentar aprender muito com o que está a acontecer lá [na Ucrânia] e será parte do “input” em que o DIANA vai trabalhar no futuro próximo.